Volta e meia, Rodrigo Sant’anna é surpreendido nas ruas com um
"Valéria, tem dez centarru?". São fãs misturando nome e bordão de suas
personagens mais queridas: a transexual Valéria Vasques e a pedinte
Adelaide, do Metrô Zorra Brasil. Pudera! Há três anos, o ator vem
colecionando sucessos no "Zorra total". Desde o malandro Admílson,
quando dividia cena com a glamourosa Lady Kate (Katiúscia Canoro).
—
Fico meio tímido com o assédio do povo, sempre muito festivo. Às vezes,
tenho medo de decepcionar as pessoas, porque elas me veem na TV numa
situação tão descontraída, de levada sacana, e na vida real sou tão
água-com-açúcar... — entrega-se o carioca de 31 anos, nascido no Morro
dos Macacos, Zona Norte do Rio. Inspiração caseira
Foi
no subúrbio que, outra vez, Rodrigo buscou inspiração para suas
criações. Mais do que na comunidade onde nasceu, Adelaide ganhou vida
dentro da própria casa do artista, na figura de Adélia Rosa, essa
senhorinha simpática da foto aí ao lado, de 86 anos.
— Minha avó é
uma figura! Tem voz arrastada, nariz largo, e vive com uma atadura na
perna, mancando por causa das varizes. Transportei isso para a Adelaide.
Só não copiei a bengala porque queria que Adelaide parecesse mais
jovem. Na minha cabeça, ela tem 33 anos, mas é acabada — explica.
Rodrigo e a avó, Adélia Rosa: inspiração de dentro de casa
Foto:
Roberto Moreyra
Cara de uma...
Mal termina de
descrever a avó, dona Adélia dá o ar da graça na sala do apartamento de
Laranjeiras, que ganhou de presente do neto. Sua semelhança com a mais
nova sensação do humor é realmente espantosa...
— Ah, fico muito
feliz com essa homenagem! Adelaide é muito parecida comigo... Gosto dela
todinha, inteirinha! E o marido dela? Engraçado à beça. Até nisso ele
copiou: quando era mais nova, gostei de um cara igualzinho, bebia pra
caramba! — conta a musa inspiradora, apertando os olhinhos num sorriso
de satisfação: — Não perco o "Zorra". É muita emoção!
É esse
orgulho de dona Adélia em ser retratada como é que Rodrigo cita ao
comentar as críticas — descabidas, ele frisa — a Adelaide. Meses atrás, a
personagem foi acionada na justiça, sob a acusação de racismo.
Telespectadores e membros de ONGs teriam se indignado com uma das cenas
do humorístico, em que a pedinte teria comparado o cabelo da filha, Brit
Sprite (Isabelle Marques) a palha de aço.
— Talvez se eu tivesse
uma avó loura, de olhos azuis, não estivesse enfrentando isso... - Fico
triste, de verdade. Sempre contei minha história de uma maneira muito
aberta, sem ser panfletário. Falo de gente pobre, humilde, feia,
desdentada, analfabeta, com nariz grande, porque é com esse tipo de
gente que eu convivi a minha vida inteira. Elas são a matéria-prima do
meu trabalho. Minha inspiração é minha família, são os meus amigos.
Pessoas das quais eu me orgulho, independentemente dos defeitos que
tenham. Quero homenageá-los do jeito que eu melhor sei, com humor. Caso
contrário, eu iria fazer, sei lá, Almodóvar! Graças a Deus, ninguém
nunca me abordou de maneira pejorativa nas ruas.
Adelaide e a filha, Brit Sprite Foto: Rede Globo/ Divulgação A cara da pobreza
Rodrigo ri de si mesmo ao citar um dos bordões de Adelaide preferidos pelo público:
—
Se Xuxa é a cara da riqueza, eu sou a da pobreza. Outro dia, estava me
assistindo no programa dela e comentei: "Meu Deus do Céu! Olha essa
minha cara... Nunca que eu deveria estar fazendo televisão, gente!".
Há
também, é claro, os que, sentindo-se "celebrados" pela figura de
Adelaide, se aproveitam do sucesso da ficção para tentar se dar bem na
vida real.
— Já me disseram que tinham visto gente no sinal de
trânsito pedindo moeda como ela, com aquela musicalidade, falando
"centarru" e tudo — conta Rodrigo, pessoalmente contrário a dar esmolas:
— Mendicância virou profissão, né? E, ao mesmo tempo que você fica
compadecido com o sofrimento alheio, pode estar contribuindo para que
aquela pessoa sobreviva na mesmice. Dinheiro eu não dou, só comida.
Mesmo assim, já fui surpreendido negativamente. Uma menina me devolveu
um prato: "Miojo eu não como!". E um mendigo que vivia reclamando que
estava morrendo de fome, depois de traçar um lanche que eu dei, limpou a
boca e repetiu o discurso. Ou seja: esse pessoal não sente fome. Pedir é
um vício, e eles são verdadeiros atores. Melhores que eu!
Nem um
pouco humilde, muito menos pobre — vide o celular e o tablet que exibe
toda vez que aparece —, Adelaide é mais uma vítima do consumismo,
segundo definição de seu criador:
— Hoje em dia, independentemente
da classe social e financeira em que você vive, o que te torna rico não
é a quantidade de coisas que se tem, e sim em quantas vezes você pagou
para ter aquilo. Quanta gente de geladeira vazia tem dois celulares,
rádio, tablet e tudo mais? Adelaide é uma figura muito realista. Se
fantasia de feia para sustentar a imagem da "coitada".
Com o sucesso, Rodrigo conseguiu realizar sonhos de consumo, e hoje mora na Zona Sul do Rio Foto: Roberto Moreyra/ 03.11.2011 Sonhos realizados
Zero
exibicionista, Rodrigo não gosta de comentar o patrimônio adquirido com
o sucesso. Mas deixa escapar que tornou real alguns de seus sonhos de
consumo, como um iPhone, uma bicicleta elétrica para passear pela orla
carioca e, o mais importante, a casa própria, a sua e a da família. Ele
trouxe a mãe e a avó de Quintino para a Zona Sul e comprou um segundo
apartamento, com vista para a Baía de Guanabara.
— Mas sou tão
desapegado que mobiliei o apê, aluguei com tudo dentro para um gringo e
fui morar de aluguel em Copacabana. Lá eu tenho mais tranquilidade para
passear de bicicleta, é mais agradável.
Assim como Adelaide, o artista tem suas economias.
—
Não gasto dinheiro sem necessidade porque sei o valor dele. Não esbanjo
com nada. Aliás, ainda não consegui fazer uma viagem internacional,
nessa correria toda. Um dia ainda vou para Nova York gastar um pouquinho
— brinca.
Rodrigo como o alcoólatra Jurandir: ele só aparece no Ipad Foto: Reprodução Na pele do Burro
Hiperativo
por natureza, Rodrigo acumula três personagens no "Zorra" (Valéria,
Adelaide e seu marido, o pinguço Jurandir) e, fora da TV, ainda dá conta
de três programas de rádio (na Rádio Globo e na Beat 98) e duas peças
teatrais em cartaz ("Comício gargalhada" e "O patrão"), além de
frequentar aulas de canto para estrelar o musical "Shrek", que estreia
em dezembro no Teatro João Caetano. No palco, Rodrigo viverá Burro, o
melhor amigo do ogro. Só a faculdade de Psicologia, que tinha começado a
cursar, ficou para trás.
— Não dei conta. Desde que Valéria
estourou, não faço outra coisa a não ser trabalhar. Nas vezes que me
estressei, me senti culpado: "Isso foi tudo o que sempre quis pra mim,
como posso estar cansado? Não!". Não me permito reclamar. Meu maior medo
é cair no ostracismo, ser esquecido porque não consegui solidificar uma
carreira com minhas criações.
O lado ruim da fama? A repercussão
na mídia sempre chega acompanhada de uma sensação de angústia: mal o
novo personagem ganha o carinho do público, o humorista já está pensando
no próximo.
— Respiro aliviado: "Ufa, consegui emplacar mais um".
Mas sou tão louco, que não relaxo: "Beleza! E agora? Qual é o novo
texto, qual será o novo bordão?". Isso é muito ruim, muito sofrido —
desabafa ele, já deixando escapar o que está por vir: — Tem dois papéis
que interpreto no teatro que podem vingar na TV, o sensitivo Vanderley
das Almas e o Homossexual Obeso.
Pelo jeito, vem mais burburinho por aí...
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