Segmentos ligados à cultura afroparaibana apresentaram na sexta-feira, 27, durante oSeminário sobre o Programa Nacional de Cultura Afrobrasileira,
ocorrido na Capital, João Pessoa, uma série de reivindicações ao
secretário de Cultura da Paraíba, Chico César, e ao Diretor de
Preservação do Patrimônio Imaterial Afrobrasileiro da Fundação Palmares,
Alexandro Reis.
Povo de Santo trouxe propostas para a cultura | Fotos: Fabiana Veloso
Entre elas está a proposta de criação de
um festival específico para a cultura popular, especialmente enfocando
as culturas negra, indígena e cigana produzidas no estado. Outra demanda
já antiga do movimento é por um museu temático para a cultura africana
na Paraíba. Os participantes também demandaram estruturação de um
projeto estadual de circulação da cultura entre as comunidades,
promovendo o intercâmbio dos produtos e fazeres culturais.
Para o artista multivisual Elioenai
Gomes, é urgente também que se promovam ações para o resgate da memória
oral, visual e cultural das comunidades negras urbanas e rurais, além da
catalogação dos grupos e artistas populares que lidam com a temática
etinorracial na Paraíba. “Não adianta investir apenas na revitalização
de prédios, eu acho até um equívoco falar em revitalização de algo que
não seja humano. O importante é a vitalização humana, fortalecendo os
laços culturais da africanidade paraibana”, comenta Nai, que criou um
ateliê multicultural na região do Centro Histórico de João Pessoa, onde
promove diversos eventos com a temática etinorracial.
Ana Lúcia e Emílson Ribeiro trouxeram suas experiências de vida
O para-folclorista Emílson Ribeiro diz
que é preciso identificar os grupos para manter identidade e origem e
dar condição de se fazer a atividade cultural na própria comunidade e
levar o público às localidades onde a cultura popular ocorre. Ele diz
que hoje o maior gargalo para os grupos de folguedos é a questão do
transporte. “A cultura se esconde. É preciso ir atrás dela e dar
visibilidade a ela”, opina.
Discussão em grupos dinamizou seminário
Um exemplo da dificuldade que os grupos
da cultura popular afroparaibana enfrentam foi exposto pela
contra-mestra do Coco de Roda Novo Quilombo, de Gurugí, na região do
Conde, Ana Lúcia do Nascimento. “Nós ganhamos um prêmio de R$ 10 mil e
decidimos construir um pavilhão na comunidade para as apresentações do
Coco, mas o dinheiro não deu pra terminar a obra e ainda tá faltando
toda a parte da cobertura e telhado”, revela Ana, informando também que
mesmo depois de 25 anos de atividades o grupo musical ainda não
conseguiu gravar um CD. “Quando a gente chega nos lugares pra se
apresentar o pessoal pergunta pelo disco e nós não temos nada para
divulgar nosso trabalho”, lamenta.
Outra representante dos quilombolas na
Paraíba, Francimar Fernandes, diz que é preciso garantir acesso à
cultura para o povo das comunidades. Ela também defende o intercâmbio
cultural entre as comunidades. “Em Pombal havia uma manifestação
tradicional dos negros chamada de “pontões”, que era desenvolvida por um
núcleo familiar conhecido na região como ‘Os Daniel’ e ‘Os Rufino’.
Seria importante tentar resgatar isso antes que desapareça de vez”, diz
Francimar. Ela informou ainda que no próximo dia 13 de maio, na Estação
Ciência e Arte Cabo Branco, haverá oficinas com as louçeiras de várias
comunidades quilombolas da Paraíba.
Representantes de grupos de capoeira
também estiveram no evento. Eles reclamam que não há qualquer incentivo
do poder público para que os grupos se mantenham em suas comunidades.
Defenderam que nos bairros e comunidades sejam criados espaços
específicos para a prática da capoeira. Os capoeiristas também buscam
apoio para o registro audiovisual de suas músicas já que o conteúdo
delas tem uma relação direta com a história da cultura negra e pode ser
um instrumento para estimular a autoestima das comunidades
afrodescendentes. Os praticantes da capoeira na Paraíba também
apresentaram reivindicações relacionadas à regulamentação do ensino da
capoeira nas escolas.
Chico César e Alexandro Reis ouviram propostas da sociedade; Kaline Lima mediou a mesa
Lideranças das religiões de matriz
africana também se posicionaram no seminário. Elas querem incentivo para
que as vestimentas e outros objetos usados nos rituais religiosos
possam ser produzidos pelas próprias comunidades. Uma das ideias
surgidas no evento foi a de que a Prefeitura de João Pessoa e o Governo
do Estado reservem parte dos recursos do Projeto Empreender para o
fomento de atividades culturais e artísticas dos povos e comunidades
tradicionais, o que poderia ser chamado de “Empreender Afro”.
Outra questão discutida no evento foi o
fato de que as igrejas de orientação evangélica, também chamadas de
“cristãs”, têm proibido seus seguidores a praticar qualquer atividade
vinculada à cultura afro-brasileira, com a capoeira, o maculelê, o
maracatu, estigmatizando essas manifestações e deturpando o real
significado que elas têm na cultura nacional.
PRESERVAÇÃO, MEMÓRIA E RESGATE
Platéia atenta nos dois turnos do seminário promovido pelo FOPPIR
Durante todo o evento foram levantadas
várias propostas no sentido de que sejam construídas políticas públicas
no estado para a preservação e o resgate das manifestações culturais
afroparaibanas. Uma delas diz respeito ao apoio à Escola de Samba
Malandros do Morro, no bairro da Torre, cujo barracão e quadra precisam
ser reestruturados.
A presidenta da Associação Cultural
Posse Nova República, jornalista Fabiana Veloso, sugeriu que a SECULT
promova um evento relacionado à obra artístico-cultural do ativista
negro Heliton Santana, falecido no ano passado. “Helinton produziu muito
em várias áreas, como teatro e literatura”, diz Veloso.
O secretário Chico César disse que a
SECULT está se estruturando para dar respostas às demandas. Ele anunciou
a criação de um centro de referência da cultura popular que deverá
ocupar o prédio do antigo Grupo Escolar Tomáz Mindello, no centro da
capital paraibana.
Mariah Marques, gerente do Setor de
Cultura Popular da SECULT, disse que o evento subsidiará o Plano
Estadual de Cultura. Ela disse que a secretaria estabeleceu 12
articuladores nas macrorregiões do estado e que serão realizados
seminários e cursos de capacitação nos 223 municípios. “Infelizmente o
Plano Plurianual (PPA) não tem previsão de recursos para cultura afro,
mas vamos ter que relocar de outras rubricas”, comentou Marques. Segundo
ela, a SECULT está ainda estimulando as prefeituras a criarem conselhos
municipais de cultura para estabelecer os planos municipais do setor.
“Nossa ideia foi que o seminário
construísse um produto que pudesse ser apropriado pelos participantes,
realizadores e, principalmente, pela sociedade civil. E acho que
alcançamos esse objetivo”, diz a educadora Fátima Solange, do Fórum
Paraibano de Promoção da Igualdade Racial (FOPPIR), entidade
organizadora do evento. “Agora vamos incentivar as comunidades a darem
prosseguimento a essa discussão em seus próprios espaços. Se não houver
mobilização social o governo não avança na implementação das políticas
públicas nessa área”, acrescenta Solange.
Movimento negro para o Focando a Notícia
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