Para ministro da Cultura, Lei Rouanet gera desigualdades e 'pirâmide de privilégios'
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, criticou duramente o atual modelo
de fomento às atividades culturais, estruturado por meio da Lei Rounet,
a Lei 8.313, de 1991.
Em audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esportes (CE),
nesta terça-feira (28), ele disse que a legislação concentrou as
aplicações basicamente na Região Sudeste e criou uma “pirâmide de
privilégios”, com os recursos de patrocínio resultante de incentivos
fiscais ficando em mãos de poucos produtores.
— São sempre os mesmos que recebem, e eu não quero aqui nem detalhar,
para não fazer proselitismo contra determinadas organizações, até porque
o problema não é deles, mas da própria lei — observou.
Para o ministro, é necessário “coragem” para mudar a atual legislação,
que leva o nome do então secretário de Cultura do governo federal,
Sérgio Paulo Rouanet. Ao falar sobre o projeto com essa finalidade (PLC 93/2014)
em análise no Senado, ele pediu ajustes ao texto aprovado pela Câmara
dos Deputados no fim do ano passado. Ferreira defendeu o
restabelecimento da proposta do Executivo.
Entre as mudanças previstas, o texto, que cria o Programa Nacional de
Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), aumenta os limites de
dedução do Imposto de Renda para as doações feitas a projetos culturais.
Para pessoas físicas e jurídicas, o limite dedutível poderá chegar a 8%
do imposto devido. Hoje, o limite é de 6% para pessoas físicas e 4%
para pessoas jurídicas.
Concentração
Para o ministro, a Lei Rounet já cumpriu o papel que motivou sua criação
e agora está gerando distorções, a começar pelo reforço às
desigualdades do país. Os dados sobre as captações para projetos
culturais de 2014 mostram que São Paulo concentrou 42% do total geral de
R$ 1,3 bilhão, enquanto o Rio de Janeiro ficou com 25% e Minas Gerais,
10%.
Os estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste, com raras exceções,
ficaram com percentuais sempre bem abaixo de 0,1%. Alagoas, na pior
posição, foi contemplado com apenas 0,002% dos recursos, o equivalente a
R$ 30 mil. Para o ministro, os números por si mesmo demonstrariam que o
sistema de fomento herdado é uma lei “perversa”.
Um dos grandes problemas do sistema é que, segundo o ministro, o
dinheiro deriva de impostos que o governo abriu mão de cobrar das
empresas patrocinadoras. Porém, quem em última análise decide sobre os
projetos culturais que receberão patrocínio, entre aqueles previamente
habilitados pelo Ministério da Cultura, são os departamentos de
marketing das empresas. A seu ver, as empresas não têm culpa, mas o
sistema é injusto e excludente.
— Se uma empresa vai associar sua marca, vai fazer com quem pode
fortalecê-la, e então um artista criativo que esteja contrariando o
gosto comum, um artista com reverberação nas camadas de baixo poder
aquisitivo não interessa. Será uma seleção perversa, e pior, usando
dinheiro público — observou.
Patrocínio estatal
Quanto à distribuição territorial dos recursos, motivo de críticas de
vários senadores, o projeto do Procultura já prevê mecanismos de
desconcentração. Antonio Anastasia (PSDB-MG) apelou ao ministro por uma
solução provisória para facilitar isso enquanto não se aprova a nova
lei. Pediu a ele para que negocie com o governo uma solução que obrigue
desde já as estatais federais a destinar patrocínios para todos os
estados, em percentuais que sejam equivalentes à participação de cada em
termos de população.
— As empresas estatais, que alocam recursos expressivos na Lei Rouanet,
já façam isso, por ato de vontade, Nem precisa de lei para isso, basta
um ato interno, com participação do ministério — defendeu.
Orçamento
A audiência, coordenada pelo presidente da CE, Romário (PSB-RJ), foi
sugerida para que o ministro apresentasse suas prioridades. Juca
Ferreira aproveitou para solicitar apoio a outras propostas de interesse
da pasta que tramitam no Congresso. Entre elas, está a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 150/ 2003,
ainda em exame na Câmara, que define recursos mínimos para o os
orçamentos da cultura. Seriam 2% das receitas no plano federal, 1,5% nos
estados e 1% nos municípios.
— Tem países em que o percentual para a cultura é muito maior, e 2% é o
índice mínimo recomendado pelas Nações Unidas — argumentou.
O ministro vê necessidade de complementar a regulamentação do direito
autoral. Segundo ele, já houve uma solução parcial, com aprovação de
projeto na esteira dos debates ocorridos no âmbito da CPI do Ecad.
Porém, lembra que falta ainda muitos aspectos pendentes, inclusive
quanto à garantia de direitos aos autores em relação ao uso e comércio
de suas obras no exterior. Questionado por Romário, ele disse apoiar
projeto de lei que libera as biografias não autorizadas.
Ferreira manifestou satisfação com a aprovação pelo Congresso do texto que originou a chamada Lei da Cultura Viva, a Lei 13.018, de 2014,
que garante condições mais efetivas para o funcionamento dos chamados
Pontos de Cultura, que se destinam a garantir o acesso da população aos
meios de produção, circulação e fruição de manifestações culturais
criadas pelas próprias comunidades. Segundo ele, desde 2004 já foram
criados mais de 3.500 pontos de cultura em todo o país e a ideia e
chegar a 30 mil.
Cidades históricas
O senador Roberto Rocha (PSB-MA) questionou o ministro sobre a
preservação de sítios e monumentos de cidades históricas. O senador
lembrou que São Luiz, a capital maranhense, enfrenta dificuldades para
manter íntegro seu patrimônio arquitetônico do período colonial.
Observou que a cidade pode inclusive perder o título de Patrimônio da
Humanidade, concedido da Unesco.
De acordo com o ministro, os recursos para restauração de sítios como
esses cresceram nos últimos anos, chegando a R$ 1,63 bilhão em 2015, com
aplicação descentralizada, por meio de convênios com estados e
municípios. Segundo ele, esse é um programa estratégico e deve ser visto
como investimento, diante do potencial turístico dessas cidades. Porém,
salientou que os sítios e imóveis devem receber tratamento de ponto
cultural, com visão de retorno econômico.
— O investimento deve ter retorno para não se tenha que, de tempos em
tempos, investir mais dinheiro porque o imóvel voltou a ficar degradado —
afirmou.
Fonte: Agência Senado
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