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Cordel foi censurado por abordar questões referentes à aposentadoria (Foto: Fabíola Blah / G1)
Em decisão ajuizada nesta quinta (5), a Justiça Federal em Pernambuco
(JFPE) liberou a circulação e venda do cordel intitulado "A lei da
Previdência para a aposentadoria", censurado a pedido do Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS). A decisão, de caráter liminar, foi
proferida pelo juiz titular da 3ª Vara Federal, Frederico Azevedo, no
mesmo dia em que o cordelista Davi Teixeira, 54 anos, entrou com a ação
para solicitar a liberação da publicação. "Eu cheguei até a queimar 600
cordéis, porque achei que poderia ser preso por falar da Previdência.
Fiquei meio desesperado, mas graças a Deus o juiz já liberou, agora
estou dormindo mais tranquilo", disse o artista.Natural de Bezerros, no Agreste do estado, Davi vende seus cordéis desde 2005, em feiras livres, bancas de revistas e lugares públicos. De acordo com a JFPE, um exemplar chegou às mãos do Grupo de Proteção do Nome e Imagem das Autarquias e Fundações Públicas Federais, que entendeu que na obra havia "conteúdo depreciativo à imagem do INSS".
O grupo encaminhou processo administrativo para a Procuradoria Regional Especializada do INSS (PRE/INSS), que entrou em contato com o cordelista. Em audiência realizada em abril deste ano na PRE/INSS, o artista se comprometeu a modificar o conteúdo do cordel, no prazo de 90 dias, adequando o texto ao "Programa de Proteção do Nome e Imagem das Autarquias e Fundações Públicas Federais".
Cordel modificado após censura traz elogios ao
INSS. (Foto: Fabíola Blah / G1)
Liberdade de pensamentoINSS. (Foto: Fabíola Blah / G1)
Apesar de ter alterado a obra, o artista entrou com ação na JFPE, na manhã desta quinta, insatisfeito de ver seu cordel modificado e proibido de circular, segundo o advogado da causa, Paulo Perazzo. “Ele é um homem simples, sem primeiro grau completo, recebeu intimação para ir à Procuradoria e foi sem advogado. Ele foi recebido por duas procuradoras federais, que o aconselharam a modificar parte do seu poema, sob pena de acontecer algum tipo de penalização, porque aquilo estava ferindo a imagem do INSS. Ele sentiu que estava mexendo com os ‘grandões’, como ele mesmo disse. No meu entender, ele foi coagido e essa assinatura [se comprometendo a mudar o cordel] não tem validade, não é eficaz, porque é um caso totalmente atípico, foi fruto de uma pressão indevida, injustificada e sem amparo legal”, explicou.
O juiz federal titular da 3ª Vara Federal apontou na decisão que a literatura de cordel, neste caso, representa a liberdade de pensamento e por isso não deve ser censurada. "Não se torna razoável vedar a livre circulação do folheto em que consta o cordel 'A lei da Previdência para a aposentadoria', levando em consideração a livre manifestação de pensamento existente em um estado democrático de direito como é o Brasil", enfatizou o magistrado no documento. "O cordel representa uma expressão da cultura nordestina e, no caso em destaque, funciona como meio de sobrevivência do artesão", acrescentou.
Medo da censura
Em entrevista ao G1, Davi contou como foi a audiência com o PRE/INSS. "Eu sou um pouco aquele 'matuto ignorante' e não fui com advogado porque não tinha matado, roubado ninguém. A mulher [uma das procuradoras] disse que entendia isso aqui [o cordel], mas o pessoal de Brasília não, e pediu para mudar teor do cordel, porque estava falando mal da Previdência. Na hora mesmo eu disse 'gente, eu só fiz falar a verdade'. Elas até me deram a notícia que hoje se aposenta em 30 minutos, mas só se for deputado. Eu até pedi desculpa, pensei que se ela mandasse o documento sem eu assinar, vinha um canhão em cima de mim", disse.
O artista comentou que, com medo da censura, chegou a queimar 600 exemplares e recolher outros mais em pontos de venda. O cordel modificado veio com o título "Na Previdência é assim" e carregado de elogios ao serviço. "Não é para elogiar? Então eu exagerei mesmo, mas tem um fundo de ironia porque, quem conhece, sabe como é de verdade", disse.
Mas Davi estava incomodado com a mudança do material. "Aquilo ficou entalado na garganta. Liguei para um amigo cordelista, disse que meu cordel estava censurado. Ele disse até para eu tirar uma cópia, para ele ver o que eu tinha escrito para ele não colocar nos deles, se sentiu acuado também. Depois, falei a história para uma pessoa com nível melhor, que disse ‘isso não dá nada não, a mídia fala o tempo todo dos problemas [do INSS] e por que você seria preso?’. Foi quando tomei orientação com o advogado. Eu tinha ficado tão assustado, que pensei em me esconder no interior, dentro do mato", contou.
Perazzo destacou que o cordelista agiu certo. "Eu entendo que isso [a censura do INSS] é a semente do mal. Começa com a censura de trechos de poemas, depois de manifestações na internet, nas ruas contra órgãos públicos e o governo de uma maneira geral", afirmou.
Do lado esquerdo, a primeira página do cordel original; à direita, o mesmo trecho com modificações. (Foto: Luna Markman/ G1)
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