terça-feira, 2 de dezembro de 2014

CULTURA NO CEARÁ e CULTURA NA PARAIBA - REFLEXÕES PERTINENTES AO INÍCIO DE NOVAS GESTÕES GOVERNAMENTAIS

“sem cultura, a educação vira só ensino; a saúde é remediação; a segurança é repressão e o desenvolvimento social não vai além do assistencialismo”.  Jéferson Assumção/ CE.

A brangência. Foi essa a palavra que Gilberto Gil usou como tradução possível de sua gestão à frente do Ministério da Cultura (MinC). Abrangência do conceito de cultura, de linguagens, de áreas, de setores, de territórios, de etnias, de itinerários, de diálogos, de redes e de orçamento.

A palavra abrangência, para além de uma metáfora, foi também expressão na formulação e execução de políticas culturais tendo como premissa o valor simbólico e antropológico da cultura em conexão com suas dimensões de cidadania e de economia, compreendendo a cultura como vetor estratégico para o desenvolvimento do País.

A política cultural entrava pela primeira vez na agenda social do governo e o termo “cidadania cultural” se tornou mantra a partir das gestões de Gil e Juca (Ferreira, ex-titular do MinC). O Sistema Nacional de Cultura, o Plano Nacional de Cultura e o Programa Cultura Viva são sínteses concretas dessa abrangência conceitual e programática.

Fui buscar a palavra abrangência porque creio que o Estado do Ceará precisa resgatá-la com mais atenção para o planejamento, estabelecimento de metas e desenvolvimento de sua política pública de cultura.

O que está em pauta é a construção de uma agenda programática, e nos parece que o governador eleito já enumerou alguns pontos, conforme sinalizados em entrevista ao O POVO no dia 1º/10/2014 e no capítulo de Cultura de seu Plano de Governo, que podemos capturar em seis pautas: o fortalecimento das gestões municipais com financiamento, formação e apoio técnico por meio do Sistema Estadual de Cultura; a diversidade cultural como premissa para o fomento de projetos pelo Fundo Estadual de Cultura; a institucionalização do Plano Estadual de Cultura; o fortalecimento dos Pontos de Cultura com o programa Cultura Viva; a descentralização dos equipamentos culturais com ênfase na criação, formação e difusão; e a integração da política cultural ao processo de desenvolvimento local.

Como novos compromissos, o futuro governador assumiu destinar 1,5% do orçamento para a cultura, realizar um concurso público e criar escritórios regionais da Secretaria da Cultura do Estado (Secult).


Mas, antes de entrar nas pautas próprias da cultura, despertou-me especial atenção em sua fala a integração entre cultura e educação. Pena que essa proposta não esteja expressa claramente em seu plano de governo. No entanto, essa integração deve ir para além do tema do ensino de música nas escolas, que é imprescindível, podendo gerar um grande programa. Torna-se necessário ampliar esse leque e inserir de forma abrangente a dimensão cultural nas escolas. Conforme Jorge Larrosa, “a educação precisa se relacionar com a cultura do presente. Do contrário, transforma-se em prática de adestramento”.

É importante que seja feita a promoção do ambiente escolar como espaços de criação, fruição, produção e circulação cultural, fomentando conexões entre as experiências artísticas, estéticas e culturais com os projetos pedagógicos das escolas, passando pela educação patrimonial e museal; pela comunicação, tradição oral e cultura digital; pelas culturas indígena e afro-brasileira; pelo acesso ao livro e formação de leitores, valorizando a literatura e o espaço das bibliotecas; por intervenções artístico-experimentais nas escolas; pela experiência estética e formação de repertórios culturais para nossos professores; pela presença e circulação de saberes e ofícios dos mestres da cultura nas escolas; pela conexão criativa das escolas com os diversos equipamentos culturais e com os Pontos de Cultura.

São tantos os caminhos possíveis para inserir a vivência artística e cultural nas vidas de nossos professores e alunos como dimensões vitais para suas formações e desenvolvimentos de capacidades. Basta que a Secult e a Secretaria da Educação do Estado tenham disposição para isso.

Voltando para as agendas próprias da cultura, penso que a tarefa é traduzir em ações concretas e em investimento orçamentário as linhas estratégicas contidas no plano de governo (institucionalização e gestão / territorialização da cultura / memória e patrimônio / cultura e desenvolvimento) com o estabelecimento de metas e resultados para os próximos quatro anos. Sem perder de vista que o Plano Estadual de Cultura precisa ser institucionalmente consolidado com metas de longo prazo.

Mas não se pode iniciar o governo sem um diagnóstico da situação e com um planejamento político, administrativo e econômico que possa incorporar, inclusive, ações afirmativas e inclusivas para modalidades indígenas, afro-brasileiras, gêneros, orientações sexuais, mídias eletrônicas e cultura digital.

Sei que o debate se encontra a plenos pulmões com os movimentos sociais e culturais do Ceará na construção coletiva de um plano. Este artigo se apresenta apenas para colocar mais tempero no caldeirão. Gostaria de colocar mais quatro ingredientes: o fortalecimento do Conselho Estadual de Cultura, a transparência do Fundo Estadual de Cultura com gestão autônoma pela própria Secult, o desenvolvimento de uma agenda federativa com o MinC e a integração de uma política interssetorial da cultura com outras pastas.

Como disse meu amigo Jéferson Assumção, “sem cultura, a educação vira só ensino; a saúde é remediação; a segurança é repressão e o desenvolvimento social não vai além do assistencialismo”. Portanto, se o novo governador pretende de fato inserir a cultura como “vetor estratégico para o desenvolvimento do Estado”, não lhe faltarão capitais humano, político, social e econômico abrangentes para essa tarefa. Afinal, grande parte da riqueza do Ceará e dos cearenses está na sua diversidade cultural e na potencialidade de sua economia criativa.

Fabiano dos Santos Piúba é diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do MinC. É historiador e doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi diretor de Leitura, Escrita e Bibliotecas do Cerlalc/Unesco.

É também poeta.

Bibiu do Jatobá extraiu esta notícia do site -  http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2014/12/02/noticiasjornalvidaearte,3356326/por-uma-politica-cultural-abrangente.shtml

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