quarta-feira, 29 de abril de 2015

MINSTRO DA CULTURA CRITICA A LEI ROUANET

Para ministro da Cultura, Lei Rouanet gera desigualdades e 'pirâmide de privilégios'

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, criticou duramente o atual modelo de fomento às atividades culturais, estruturado por meio da Lei Rounet, a Lei 8.313, de 1991.  Em audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esportes (CE), nesta terça-feira (28), ele disse que a legislação concentrou as aplicações basicamente na Região Sudeste e criou uma “pirâmide de privilégios”, com os recursos de patrocínio resultante de incentivos fiscais ficando em mãos de poucos produtores.
— São sempre os mesmos que recebem, e eu não quero aqui nem detalhar, para não fazer proselitismo contra determinadas organizações, até porque o problema não é deles, mas da própria lei — observou.
Para o ministro, é necessário “coragem” para mudar a atual legislação, que leva o nome do então secretário de Cultura do governo federal, Sérgio Paulo Rouanet. Ao falar sobre o projeto com essa finalidade (PLC 93/2014) em análise no Senado, ele pediu ajustes ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados no fim do ano passado. Ferreira defendeu o restabelecimento da proposta do Executivo.
Entre as mudanças previstas, o texto, que cria o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), aumenta os limites de dedução do Imposto de Renda para as doações feitas a projetos culturais. Para pessoas físicas e jurídicas, o limite dedutível poderá chegar a 8% do imposto devido. Hoje, o limite é de 6% para pessoas físicas e 4% para pessoas jurídicas.

Concentração

Para o ministro, a Lei Rounet já cumpriu o papel que motivou sua criação e agora está gerando distorções, a começar pelo reforço às desigualdades do país. Os dados sobre as captações para projetos culturais de 2014 mostram que São Paulo concentrou 42% do total geral de R$ 1,3 bilhão, enquanto o Rio de Janeiro ficou com 25% e Minas Gerais, 10%.
Os estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste, com raras exceções, ficaram com percentuais sempre bem abaixo de 0,1%. Alagoas, na pior posição, foi contemplado com apenas 0,002% dos recursos, o equivalente a R$ 30 mil. Para o ministro, os números por si mesmo demonstrariam que o sistema de fomento herdado é uma lei “perversa”.
Um dos grandes problemas do sistema é que, segundo o ministro, o dinheiro deriva de impostos que o governo abriu mão de cobrar das empresas patrocinadoras. Porém, quem em última análise decide sobre os projetos culturais que receberão patrocínio, entre aqueles previamente habilitados pelo Ministério da Cultura, são os departamentos de marketing das empresas. A seu ver, as empresas não têm culpa, mas o sistema é injusto e excludente.
— Se uma empresa vai associar sua marca, vai fazer com quem pode fortalecê-la, e então um artista criativo que esteja contrariando o gosto comum, um artista com reverberação nas camadas de baixo poder aquisitivo não interessa. Será uma seleção perversa, e pior, usando dinheiro público — observou.

Patrocínio estatal

Quanto à distribuição territorial dos recursos, motivo de críticas de vários senadores, o projeto do Procultura já prevê mecanismos de desconcentração. Antonio Anastasia (PSDB-MG) apelou ao ministro por uma solução provisória para facilitar isso enquanto não se aprova a nova lei. Pediu a ele para que negocie com o governo uma solução que obrigue desde já as estatais federais a destinar patrocínios para todos os estados, em percentuais que sejam equivalentes à participação de cada em termos de população.
— As empresas estatais, que alocam recursos expressivos na Lei Rouanet, já façam isso, por ato de vontade, Nem precisa de lei para isso, basta um ato interno, com participação do ministério — defendeu.

Orçamento

A audiência, coordenada pelo presidente da CE, Romário (PSB-RJ), foi sugerida para que o ministro apresentasse suas prioridades. Juca Ferreira aproveitou para solicitar apoio a outras propostas de interesse da pasta que tramitam no Congresso. Entre elas, está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 150/ 2003, ainda em exame na Câmara, que define recursos mínimos para o os orçamentos da cultura. Seriam 2% das receitas no plano federal, 1,5% nos estados e 1% nos municípios.
— Tem países em que o percentual para a cultura é muito maior, e 2% é o índice mínimo recomendado pelas Nações Unidas — argumentou.
O ministro vê necessidade de complementar a regulamentação do direito autoral. Segundo ele, já houve uma solução parcial, com aprovação de projeto na esteira dos debates ocorridos no âmbito da CPI do Ecad. Porém, lembra que falta ainda muitos aspectos pendentes, inclusive quanto à garantia de direitos aos autores em relação ao uso e comércio de suas obras no exterior. Questionado por Romário, ele disse apoiar projeto de lei que libera as biografias não autorizadas.
Ferreira manifestou satisfação com a aprovação pelo Congresso do texto que originou a chamada Lei da Cultura Viva, a Lei 13.018, de 2014, que garante condições mais efetivas para o funcionamento dos chamados Pontos de Cultura, que se destinam a garantir o acesso da população aos meios de produção, circulação e fruição de manifestações culturais criadas pelas próprias comunidades. Segundo ele, desde 2004 já foram criados mais de 3.500 pontos de cultura em todo o país e a ideia e chegar a 30 mil.

Cidades históricas

O senador Roberto Rocha (PSB-MA) questionou o ministro sobre a preservação de sítios e monumentos de cidades históricas. O senador lembrou que São Luiz, a capital maranhense, enfrenta dificuldades para manter íntegro seu patrimônio arquitetônico do período colonial. Observou que a cidade pode inclusive perder o título de Patrimônio da Humanidade, concedido da Unesco.
De acordo com o ministro, os recursos para restauração de sítios como esses cresceram nos últimos anos, chegando a R$ 1,63 bilhão em 2015, com aplicação descentralizada, por meio de convênios com estados e municípios. Segundo ele, esse é um programa estratégico e deve ser visto como investimento, diante do potencial turístico dessas cidades. Porém, salientou que os sítios e imóveis devem receber tratamento de ponto cultural, com visão de retorno econômico.
— O investimento deve ter retorno para não se tenha que, de tempos em tempos, investir mais dinheiro porque o imóvel voltou a ficar degradado — afirmou.
Fonte: Agência Senado 

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